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A Queda das Livrarias. O futuro é totalmente digital?
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A Queda das Livrarias. O futuro é totalmente digital?

Estudo de Caso

As livrarias vivem momentos difíceis, e não é de hoje. Em 2018, as duas maiores cadeias de livrarias do país, Saraiva e Cultura, pediram recuperação judicial. Os problemas eram muitos: o crescimento da leitura digital, o avanço da Amazon e das lojas virtuais; a perda do hábito do leitor de ir ao ambiente físico; erros estratégicos importantes por parte das empresas e por fim os problemas ainda foram impulsionados pela pandemia que fechou subitamente os pontos de venda. Será que as próximas gerações terão o prazer de passar horas em meio às pilhas de livros e folhear uma obra enquanto toma um café? Existe espaço para reestruturação das mais tradicionais livrarias ou o futuro é inteiramente digital?

O mercado de livros

O mercado de livros vem em declínio no Brasil faz um bom tempo, gradualmente as editoras vinham reduzindo a quantidade de títulos, demitido funcionários, mas essa crise se agravou em 2018 quando as duas maiores cadeias de lojas do segmento no país entraram com pedido de recuperação judicial, a Saraiva e a Cultura. 

A crise não é exclusividade apenas dos livros, mas de toda a mídia tradicional de um modo geral e principalmente a impressa. Em 2014, a revista Veja tinha 1,2 milhões de assinantes e atualmente apenas 262 mil; a Exame foi de 162 mil para apenas 55 mil e deixou de ser quinzenal para ser mensal; a revista Época caiu de 379 mil para 88 mil, sendo apenas 38 mil assinantes do impresso, e o resultado foi a suspensão da versão impressa semanal e tornando a revista uma sessão dentro do jornal O Globo. Até mesmo revistas como a Harvard Business Review encerraram suas operações no Brasil no último período.

Ascensão e declínio

Fundada em 1915, a livraria Saraiva foi por anos a maior livraria do país, mas desde 2018 vem lutando pela sua sobrevivência. Antes da crise, a Saraiva tinha mais de 100 lojas pelo país, algumas inclusive em localizações nobres. No entanto, no último plano de recuperação judicial elaborado em 2020 restaram apenas 23 lojas. A empresa chegou a apresentar números bem significativos, em 2015, após a venda da sua editora e sistemas de ensino e se tornar uma empresa de varejo puro, a Saraiva contava com 112 lojas, faturamento líquido de 1,8 bilhão de reais e EBITDA de 35 milhões de reais. Em 2016 até surgiram rumores da compra da Cultura que já não vinha tão bem. Contudo, pouco tempo depois, em 2019, o primeiro plano de recuperação judicial foi assinado, e para aumentar o problemas a empresa não conseguiu cumprir esse plano e foi obrigada a elaborar um novo plano em 2020, e novamente o leilão de ativos marcado para maio de 2021 não atraiu interessados, levando a empresa a retomar a conversa com os credores.

A livraria Cultura começou como uma biblioteca circulante que alugava livros, depois passou a vendê-los e no auge teve 17 lojas, 1,5 mil funcionários, 5 milhões de clientes e 9 milhões de produtos. Entretanto, a livraria Cultura vem em crise desde 2016, atrasando pagamentos aos credores. A crise agravou ainda mais em 2017 quando assumiu as operações da Fnac, que estava encerrando as operações no Brasil, em troca de cerca de R$ 130 milhões, mas como era de se esperar herdou um negócio deficitário e sem sucesso fechou as doze lojas da Fnac e a loja online. Em 2018, a Cultura entrou com pedido de recuperação judicial e segue com risco de falência. A pandemia só agravou a situação da livraria que obtinha parte importante do faturamento com eventos.

Outra rede de livrarias, bem conhecida de quem transitava pelos aeroportos do Brasil, eram as livrarias Laselva, que chegou a ter mais de 80 lojas. A empresa entrou em recuperação judicial em 2013, com mais de R$ 120 milhões em dívidas e teve a falência decretada em 2018.

Embora atualmente 65% do faturamento vem do comércio digital, outras redes como das livrarias da Vila, Curitiba, Leitura e Travessa abriram filiais nesse último período, demonstrando capacidade de reinvenção. A livraria da Vila abriu três filiais em 2020, e teve um aumento em 70% das vendas, ocupando espaços antes ocupados pelas livrarias Saraiva e Cultura.

Essa crise não é apenas brasileira. As livrarias já vinham sofrendo a muito tempo com a crise no mercado americano, que também foi agravada com a pandemia e fechamento das lojas físicas. Nos EUA as livrarias divulgaram mensagens como: “Compre nessas lojas, ou elas não estarão aqui por muito tempo”, ou “Compre livros de pessoas que querem vender livros, não colonizar a Lua.” Amazon, por favor, deixe a distopia para Orwell.” “Se você quer que a Amazon seja a única varejista do mundo, continue fazendo compras lá.” Para sobreviver na crise não faltaram alternativas criativas que vão desde a venda de camisetas, envio de sugestões personalizadas de livros aos clientes, até ao pedido de doações em dinheiro.

As causas da queda

A Amazon ou a venda online de livros é de fato um dos responsáveis por mudar o panorama do setor no Brasil e no exterior. O mercado de livros sempre operou com baixas margens, onde a livraria obtinha o livro em consignação das editoras e revendia em seu ambiente físico, tendo que contar com o estoque e a logística entre os centros. Isso dava aos competidores pouca margem de manobra na disponibilidade de títulos e também no oferecimento de descontos. 

A Amazon quebrou esse paradigma, já que sendo totalmente online, conseguia ter menos custos de armazenagem e de loja, podendo remunerar melhor as editoras e oferecer um maior leque de títulos. Ao contrário das principais livrarias físicas, por exemplo, a gigante americana compra os livros, em vez de pegá-los em consignação. Isso torna o fluxo de caixa das editoras mais previsível. Além disso, já com um poderio financeiro consolidado, a Amazon consegue oferecer descontos tão agressivos que nem mesmo as próprias editoras ousariam em ofertar. Por fim, vale ainda recordar que por meio de seu marketplace, a Amazon vende outros produtos, "a verdadeira loja de tudo", o que faz com que o editorial seja apenas uma parte de seu negócio. Sendo assim, ela sente menos a diminuição do consumo de livros físicos, que atingiu em cheio as livrarias. 

De fato, as pesquisas apontam uma menor venda ao longo do tempo de livros físicos, uma vez que as informações passaram a estar mais disponíveis online e que as novas gerações já estão mais habituadas ao digital. Isso forçou as grandes livrarias a se movimentarem, mas olhando em perspectiva, talvez os caminhos tenham sido equivocados. Mergulhar no e-commerce até foi um passo que Saraiva e Cultura tomaram com relativa agilidade, mas o foco na venda de livros e a crescente concorrência de outros varejistas online, já mais adaptados ao processo de envio de mercadorias para a casa do cliente, cobrou o seu preço. Além disso, na parte física, eles optaram por promover nas lojas uma "experiência de consumo". Foi a época da abertura das megalojas, onde você poderia passar horas e horas folheando os livros, assistindo a espetáculos ou consumindo num restaurante. Contudo, o negócio de livros é um negócio de margens curtas e aos poucos essas empresas foram encarando prejuízos gigantescos. 

O que esperar do futuro?

Dados revelam que a pandemia acelerou a venda de livros em 2020, nos Estados Unidos o crescimento foi de 8,2%, no Brasil o segmento editorial cresceu 2% em faturamento e 4% em volume. Essa tendência se manteve no início de 2021, com um aumento de 19,3% em volume e 14,1% em valores em janeiro comparando com 2020. Ou seja, não estamos vivendo uma crise de leitores, mas uma mudança no setor. 

Enquanto grandes livrarias fecham, a Amazon pressiona editoras por mais descontos e busca ampliar sua margem de lucro. Aparentemente, é aqui onde estão os leitores, ou pelo menos uma parte considerável deles, a Amazon tornou-se responsável por 40% do faturamento do setor, fatia nunca alcançada por nenhuma livraria no Brasil. Lojas exclusivamente virtuais como Amazon, Submarino e Magalu, cresceram exponencialmente, de 3%  do faturamento das editoras em 2018 para 55% em 2020, enquanto as vendas físicas despencavam de 50% para apenas 25% em 2020. 

Se a concorrência não parece possível, a saída para sobreviver passa pela inovação e a criatividade. As redes menores, como as livrarias Leitura e da Vila, por exemplo, vêm crescendo desde 2020, apostando em regiões mais esquecidas pelas grandes redes, com baixa ou nenhuma concorrência e em lojas mais enxutas, com menor despesa operacional.

 Se o mercado de leitores continua crescendo, seja por prazer ou por necessidade de aprendizado, alguém precisará fornecer os livros, talvez esse material não seja mais necessariamente impresso, mas de alguma forma escritores e leitores precisam ser conectados, então aparentemente o caminho para esse setor passa por tecnologia, inovação e muita criatividade. 

Durante a pandemia os Clubes de livros ganharam espaço. Clubes já existentes cresceram até 124%, como o caso do Clube Intrínsecos da editora Intrínseca, e novos clubes surgiram, como o clube Prazer de Ler e Armas da Crítica, que passaram de projetos para prioridade das editoras, uma vez que esse modelo de negócio tem uma série de vantagens, como a fidelização do leitor e a garantia de previsibilidade da receita, um livro pode ser lançado com a tiragem inicial já comprometida com um desses clubes. Outra estratégia são os encontros e cursos virtuais, entre autores e leitores, promovidos pelas editoras. E claro temos o mercado de usados, os sebos merecem uma capítulo à parte. Um exemplo de sucesso é o clube de assinaturas Literatour, que trabalha com livros usados, e cresceu 250% no primeiro semestre de 2020.

As tecnologias mudaram drasticamente a forma como as pessoas buscam conhecimento e consomem livros. As principais redes de livraria do Brasil e do mundo foram afetadas por fatores que remontam a: 

1) mudança do hábito de leitura para plataformas digitais; 

2) a ascensão de grandes players do e-commerce, como a Amazon; 

3) estratégias equivocadas de expansão e experiência de consumo. 

Ao contrário do que pode se pensar, no entanto, os livros físicos ainda parecem longe de acabar. O caminho para o futuro parece passar por uma configuração do mercado assim disposta: 

1) grandes players do e-commerce dominando a maior fatia; 

2) crescimento do mercado de segunda mão, os usados; 

3) fortalecimento das redes de bairro, de menor tamanho e maior personalização; 

4) ampliação dos clubes de leitura e dos serviços correlatos, como cursos e palestras complementares. 

  1. Você acredita que ainda vamos ter livros físicos no futuro? Você mudou seus hábitos de leitura nos últimos anos?
  2. O setor em que você trabalha foi afetado pelas big techs, como a Amazon?
  3. O que você tem feito para inovar no seu setor? Você acredita que a criatividade e a inovação são importantes para a sua empresa?

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